Querido Papai Noel,       
                                                                           Esse ano fui uma menina muito boazinha. Passei fio dental, paguei  todas as minhas multas e usei camisinha. Por isso, queria te pedir um  presente. A última vez que te escrevi uma cartinha eu devia ter uns seis  anos. Depois disso, o Thiago, o menino ranhento da minha classe, riu  bem alto de mim, me apontando enquanto girava no gira-gira: ela  acredita! Ela acredita! 
Pois é, eu acreditava, e morri de vergonha. E nunca mais quis saber de  você. Por causa do trauma de ser inocente e do dedo apontado do menino  cheio de ranho, você virou um velho tarado que fica de pau duro em  shopping, querendo mais é sentar as jovens mães em seu colo barato. O  mundo foi ficando feio e cínico e com cheiro de saco de Papai Noel que  não tem tempo de lavar a única calça abafada.
Mas esse ano fui uma menina boazinha e resolvi resgatar o 0,1% de crença  que ainda existe em mim e te fazer esse pedido. Eu acredito, Papai  Noel. Eu acredito no amor. Coisa que tá muito mais difícil de acreditar  do que num velho fazedor de brinquedo e seus viadinhos sobrevoando  nossas cabeças. 
Se eu te contasse como foi minha vida amorosa nesses últimos anos,  Santa, você diria: pegue seus livros, um vibrador e se mude agora para o  Pólo Norte! Congelada e solitária talvez você viva melhor!
Mas cara, quer dizer, Papy, vou te falar que sou taurina e teimosia é  meu sobrenome (na verdade é Pinto, mas acho que dá no mesmo). E eu ainda  acredito no amor. Eu acredito! Volto agora pra cena macabra da  infância. Thiago tem apenas sete anos. Ele gira, gira. Segura com uma  mão o brinquedo e com a manga do outro bracinho gordo ele limpa seus  ranhos. Escuta aqui, moleque, mas escuta bem: eu acredito que dá pra  sonhar. Dá pra sonhar seu desgraçadinho entupido! Ouviu? Assopra tapando  o nariz pra destampar esse ouvido!
Noel, cara, eu cansei. Só quero que seja natural, simples, fácil e bom.  Não quero falar o que meus amigos me mandam falar porque se eu falar o  que eu tenho vontade de falar poucos vão ficar. Eu não quero poucos. Eu  não quero muitos. Eu quero um. Um amor. Só um. 
Já tive bastante do resto que parece amor, já fiz bastante do resto que  parece amor, já provei bastante pro Thiago que ele tava certo em relação  a girar e rir e não acreditar e escorrer pelo nariz de medo de ficar  aqui dentro. Agora eu quero sentar no seu colo, sem você ficar de pau  duro, e quero que exista alguma porra de pureza nessa vida. 
(Tati Bernardi)